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Os dias são contados. O Tempo passa. E se caminha cada vez mais como se fosse um diário de um eunuco.

quinta-feira

Nunca Esquecerei

Ainda bem que você atendeu. É. Eu mudei o número. Tu não atenderia mesmo. Espera. Deixa te falar uma coisa?
Teus olhos. Teus olhos. Não me deixa. Eu preciso te dizer e não me pede para ficar calmo.
Como você bebe o mate no café da manhã e a cerveja no bar no fim da tarde. Eu gosto de tudo em você. Teus cabelos rosas, assim, Rambo em missão de paz, assim, pronta para a guerra. Tua cara de dúvida. De tristeza. De você. De quando eu perdia o tempo comprando flores quando você preferia calcinhas. Comprei calcinhas com bordados de flores.
Do cheiro de perfume barato. Natura. Boticário. Quando eu coloquei aquela porra de Gio para mim e tu odiou. Cadê teu cheiro, homi?
Nunca Esquecerei.
Humor zero. Lástima dez. Firmeza de segurar bolsa no fim da tarde de quem perde tudo. Assim. Como quem perde tudo. E tu andou do meu lado aquele tempo todo. Procurando um lugar. Apenas para chegar. O fim da tarde. E teu caminho. Tua boca. Tua dança. Você. De regata do Flamengo slow dancing The Cure numa tarde quente de domingo. Tu não imaginas como és. Nem um pouco.
Tua cara de sono quando está deprimida e quando a gente briga por amar mais do que o tempo e o vento e não me deixa ficar quieto. Eu preciso falar. Essas coisas que a gente faz sem saber por ter começado. Eu, bem feliz que tu veio que a gente começou que o Inferno é mais frio no verão ouvindo as âncoras da salvação e você no porão da minha mente batendo a bigorna com o martelo de ferro pesado pesado como quem tenta lembrar de tudo sem ponto sem vírgula sem fim eu ali brincando de três reis magos presente mirra esperma carinho errei muitas vezes a casa esqueci a chave quando tinha que voltar a gente ali pensando onde eu me meti onde mete por favor mete Teus Olhos Teus Olhos relutantes e lindos como sempre e agora acredito dessa vez é para sempre. Respira.
Puuuuufffff
arfa arfa
iiihhhaaasssss
Dói como um vulcão embebido de calor.
Tu não tá entendendo nada. Eu tô parando. Mas eu não consigo. É tipo vício. Eu tô vício. Eu tenho Rachel aqui escrito todo no meu corpo. Essas tattoos dizem você all over. Porra, eu tô tentando ser coerente. Mas eu quero que tu entenda.
Eu não sei te deixar.
Nunca esquecerei, Rachel. Todo santo dia da tua existência existência na minha vida enquanto tu me suportar tu tem pau na sua xoxota e você sentando o quanto quiser. Desculpa. Eu calo a boca. Eu te respeito. Perdão. É. Eu sei que as pessoas não gostam de ouvir isso. Mas é uma puta d'uma mentira. A verdade é que ninguém tem coragem de falar o que sente. Eu? Ridículo. É sempre assim quando a gente tá com vontade de dizer as coisas. Rachel, vai tomar no cu! Eu falo o que quero e o que tenho vontade.
Nunca Esquecerei.
Nunca.
Tu sabe o que quero.
...
Eu quero você de volta, sua puta. Desculpa. Não tô te xingando. É só um jeito carinhoso de te falar. Sabe? Tipo, amigo que chama o outro de viado.
Para você chamar de seu, eu me transformo em qualquer coisa.
Você só tá falando isso para desligar o telefone.  Eu sei que eu tô confuso mas só quem tá desesperado vai entender bem o que quis dizer. Só quem ama é desesperado. E eu tô desesperado.
Diz que me ama? Tá bom. Não vou forçar.
Tu promete que me liga? Mesmo?
Tá. Eu vou ficar aqui esperando. Eu posso passar aí para a gente conversar.
Não? Porque não? Tem mais alguém aí? Deixa eu te ver... tá. Eu espero.
Me liga?
Beijo, Rachel.
Ei.
Eeei.
Nunca Esquecerei.

terça-feira

DEUS

Deus
Esse velho bêbado desocupado
um bando de anjo torto
correndo nu, brincando de pique-pega do seu lado
No carnaval, se fantasia de mendigo
para, nas cinzas, curtir o feriado
se benze quando passa por macumba
amém, quando bebe vinho
bola de gude, nos buracos do Flamengo com os meninos
se parecem anjos tortos
correndo seminus, brincando de pique-pega com os carros
Se encontrou com um preto abatido
numa estrada encruzilhada, muito fingido
abençoou a viola do negro, como quem não quer nada
Riu, do blues, batizado pelo coisa boa de branco
para ouvir no céu
uma banda de um anjo torto
correndo notas, brincando de músico do diabo
tanta palhaçada, meu deus
doze pessoas numa mesa
bebendo vinho do bom
e pão quentinho
rindo como se não houvesse amanhã
um bando de anjos tortos
correndo nu, brincando de pagar prenda com ele.

Deus
Esse velho bêbado de vinho
gosta de musica do "demo"
de carnaval na quarta
e rir da nossa cara até morrer.

Três Dias de Fogo



Fazia tempo que eu não me sentia assim. Com sorte. Essa sorte estranha que vem não sei da onde e se estabelece como um karma. É como se o universo soubesse que você está bem fudido e te dá uma chance de esquecer um pouco os problemas. Esquecer um pouco sobre você. Eu descobri depois desse tempo todo andando por essa terra que sou um indeciso sentimental do caralho. O que acontece é que se alguém me destrói emocionalmente, se me faz perder a fé do amor, eu adianto logo a personificação do homem perdido e assumo a minha nova característica. Eu perco a fé do amor, não a do sexo. Nunca a do sexo. E é isso que me faz procurar mulher novamente. Ir atrás. Pode demorar uma semana, um mês ou seis meses. Eu demorei dois meses na penúltima vez. Foi uma gorda que reapareceu na minha vida. Uma gorda que se acha artista. Ela pintava nus ou algo assim. Ela era histérica, maluca e o pior... Não é a hora de falar sobre ela, isso fica pra depois, mas foi nessa louca que descobri que tinha uma deficiência em acreditar no relacionamento tão rápido. Eu sempre vou amar as pessoas, mas nunca vou me entregar tão fácil assim. E eu me apaixono tão rápido quanto um veado goza se masturbando com um pé de cabra no ânus.
Ficando um tempo sem procurar ninguém e disfrutando da minha vida de putaria, ela apareceu. Não vou ficar marinando a parte romântica porque isso não interessa aqui. Basta dizer que foi boa o suficiente para eu queimar como uma tora vira carvão e ainda querer ela. Só ela. Seu corpo duro e macio, seus cabelos pintados de vermelho, os seios lindos, a bunda firme, a buceta linda, mesmo com experiência suficiente para manter qualquer macho trabalhando a noite toda, preservada, cheirosa, viva.
Mas vem aquela cobrança feminina de que tu deve mudar mesmo sabendo a hora do que deve acontecer. E a necessidade de querer as coisas. Me irrita a incapacidade social que a mulher tem em se sentir fortalecida por um homem protetor. Eu quero que se foda isso. O que eu quero é uma mulher independente de si e da vida. Independente e maluca. Quando ela começou a perder o brilho e o encanto, eu dei o passar bem. Porque não se pode tirar o foco da dor e colocar o desespero á frente. Não na frente de quem te conheceu sendo tão forte. Nunca perder as rédeas.
E como notícia ruim de homem solto na rua é notícia que corre rápido entre as mulheres, nasce um fogo quase absurdo. É a competição. Terrena. Simples. De quem come primeiro. Nós homens não percebemos isso, nós ou estamos sofrendo muito e matando a dor dentro de uma caneca de cerveja dentro um bar qualquer ouvindo Amado Batista tocando alto no som ou estamos tentando achar o maior número de buceta possível para comer e remediar a dor. E como um homem precisa comer várias mulheres para esquecer uma mulher. A mulher.
Então fica parado e espera. Foi o que fiz. E foi o que a Madá fez.
A Madá é alta, cabelos escuros, e, pele branca. Tatuagens horríveis, mas uma boca e sorrisos lindos. E que vontade de dar. Que xoxota linda. Ela mora longe e eu tive que ir a ela, ao mesmo tempo, a Samara veio dar um ombro amigo. Me disse que estava devendo se embriagar com ela numa noite dessas. Uma ruiva natural, cheia de sardas. Como morava na mesma região da Madá não me precipitou.
Encontrei a Madá no cinema e nos pegamos como se não acabasse o dia, era de tarde e estava muito quente que nem o ar condicionado funcionava. Seu short jeans e top usando uns óculos bem nerd. Aquilo me deixava excitado e só pensava em gozar com ela usando eles. Saímos do cinema e fomos para um lugar que tinha logo perto. Ao entrar, ela já ajoelhou e foi mamando minha vara que estava tão dura e pulsando que fez ela engasgar ao enfiar na garganta e não foi pouco. Soquei até lacrimejar. Mas ela não fraquejava. E tomou minha porra toda. Ela tinha que ir para o trabalho. Seu primeiro dia naquele pub. É um nome chique para um boteco. Mesma merda, cerveja mais cara. Falei que ia esperar ela. Depois de ir para o trabalho, fui para a praia e fiquei bebendo a tarde toda. Vendo as mulheres. Mais tarde um amigo meu, Luigi apareceu e ficamos bebendo conversando sobre política e essas coisas que a América Latina está tão preparada mas sempre enrabada. Essa puta velha ainda aguenta muita pilantragem. Até ele continuar bêbado e agressivamente efusivo. Mas ainda faltava mais algumas horas para ela sair do bar, então, resolvi ir para um motel e mandar algumas mensagens para ela, esperando ela. Querendo que ela entrasse como se fosse uma puta. Que pensassem que era garota de programa. Enviando fotos para ela. E ela respondendo do bar. Mandei-a ir ao banheiro e enfiar o dedo bem fundo na buceta e servir os clientes assim. Com cheiro de xoxota. Quando ela finalmente saiu do trampo, entrou no táxi e veio voando para o motel. Tomou um banho. E fudemos o quanto conseguíamos. Estavamos muito cansados. Eu bebi demais e ela estava exausta. Um monumento de mulher que sempre desejei e eu estava cansado. Que se foda. A vida acontece.
No dia seguinte, nos arrumamos e continuamos a nossa vida. Ela foi trabalhar e eu também fui resolver meus problemas. Samara me ligou algumas vezes e Luigi, no meio dos seus surtos, me disse, “se você quiser, não estou dizendo nada, mas você consegue pegar fácil. Não sei se come, mas pega fácil”. Eu nunca entendi direito como essa coisa de perceber que alguém quer algo contigo, funciona. Eu nunca reparei. Sempre passo como se fosse uma nuvem e não capto nada. Precisa ser bem direto. Precisa me dizer claramente como a Madá. Que me ligava para falar que estava louca pra fuder comigo. E eu entendia. Então, a Samara estava ali. Assim. Sempre senti tesão por ela desde a primeira vez que vi. E hoje a noite íamos nos encontrar para beber com a galera.
Foi uma festa de amigos que acontece sempre. Quase que religiosamente toda semana. E lá estava ela. Tocando violino pra galera. Bem branca. Começamos a conversar e cortei logo a conversa.
Eu sei que você quer... Para de falar e me beija.”
E daí começamos a se beijar, meu celular tocou algumas doze vezes e ignorei. Mais tarde da noite descobri que era a Madá. Mas aí já tinha colocado a Samara em pé solta no espaço segurando e equilibrando ela apenas pelos braços presos nas costas enquanto socava a rola nela. O barulho das batidas do meu saco na pele dela me dava mais tesão e eu fudia com mais raiva. Minha vontade era de suspender ela na pancada do meu pau. Até gozar. Ela ficou com um certo ciúmes e senso de nocividade quando descobriu as ligações. Que se foda. A gente é sempre posse de alguém em qualquer dado momento. Se você acha que não, pense de novo. Liguei bem mais tarde para a Madá marcando algo pro outro dia. Marquei um almoço, e, realmente aconteceu, mas sem ela. Eu tenho um código de honra muito digno, que funciona muito bem. Eu vou onde me convidarem, mas se houver algo melhor para fazer eu desmarco. E nunca neguei isso. E esse almoço foi com alguns amigos, umas cervejas e uns sambas. O centro do rio fica muito bonito nas tardes de sábado. E a rua do mercado é um ótimo cartão postal da pós-foda do fim de semana. É para ficar entre amigos. Na mesa que estávamos do outro lado tinha essa menina com um olhar muito sexy e com pernas intermináveis. Ela me encarava e resolvemos tomar uma cerveja. Perguntou sobre uma marca no ombro. Se era algum beijo. Era uma mordida. E tinha sido da foda da noite anterior. Ela sorriu sem se assustar com a informação e levantou a saia preta e curta mostrando as marcas na coxa. Falou bem no meu ouvido, “Tomei pirocada ontem a tarde toda.”
Só ontem?”
Sim.”
Eu tenho outras marcas da semana. Quer ver?”
Quero você me comendo e contando como foi. Isso me dá tesão.”
Saí daquele restaurante levando ela direto para o motel. O mesmo quarto da primeira noite. Fiz de tudo. E tudo ela pediu. Mas essa merece detalhes e estou a mercê do tempo. É isso que eu quero o tempo. Ela contou e marcou todos os arranhões e hematomas. A base do osso do meu pau já estava dolorido, mas a gente continua. Eu só me dei conta dessas façanhas putanhescas depois que percebi o que aconteceu. Depois que a mulher que era posse de verdade me ligou. Depois que toda vez que transava comparava. E sempre imaginava ela lá, mandando a mulher fuder direito. Que eu gostava de outro jeito. Que se não fizesse direito ia mijar na boca dela. Dá esse cu, caralho! Saí daí, é assim que se dá um cu. Aprende sua vaca. E gozava.
Todas as vezes.
Três dias de fogo e eu só pensava nela.


Jonas, A Gente Precisa Conversar

Jonas, a gente precisa conversar. Larga esse copo e me olha. Jonas. Poxa. Existe uma diferença muito grande entre eu e  você. O que tanto tu procura quando sai com esse bote?
Jonas. Me responde.
Não tem baleia nenhuma para você caçar... sai dessa ilusão Jonas. Seu pai não vai voltar. Pensa no agora. Pensa na sua vida. Pensa na gente.
Eu sei, mesmo sem você dizer uma palavra, que a baleia matou uma parte de você faz quinze anos. Mas você tem que superar isso. Eu tô aqui e só você não vê. Larga aquele bote. Não! Não vai embora. Desculpa, eu só quero ajudar. Não gosto quando você faz essa cara, e tá tão frio hoje. O que é isso? Um arpão, Jonas?! Você vai mesmo caçar aquela baleia nesse breu? Pera. Anda mais devagar. O Moby Dick não vai aguentar. O Mar tá revolto e parece que o tempo vai virar.
Jonas, por favor... fica.
Eu faço o seu guizado de carne que você sempre gostou. Gostava. Não sei mais. Mas quero saber, quero cuidar de você. Eu tô aqui te esperando. Esse tempo todo. Só, por favor, para de andar um pouco e olha para mim. Isso.
Vamos sair desse cais. Eu tenho um pressentimento ruim, meu amor. Se você pegar esse bote e entrar nessa névoa é para nunca mais. Eu não sei o que eu vou fazer se você não voltar. Eu não aguento mais chorar esperando você. Eu não aguento mais.
Jonas, a gente precisa conversar. Eu quero você aqui.
"Joana, eu vou entrar nesse barco. Eu vou encontrar com o meu passado pois a memória é um peso que nos puxa para baixo. E se eu sobreviver a essa baleia, amanhã eu volto para nunca mais."
Jonas, eu vou te esperar aqui.
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Jonas entrou no bote, olhou para trás sério como quem não acredita no que vê. Empurrou o bote do cais com um remo e entrou na névoa. Joana sentou com as pernas dobradas no cais, apertou o casaco, se encolheu e olhou para onde Jonas ia até sumir na noite. Ela ia esperar.

Domingo não é Andrea Doria


A tristeza é Andrea Doria no frio sem vinho, nem cerveja, nem nada.
Não dá pra improvisar, nem o mundo será um livro aberto quando se é Inverno.
O Inverno é bom por isso. Tem muito silêncio, muitos quilos a mais para te fazer companhia, melhores filmes (no Hemisfério Norte é verão nos USA, que faz o Sul ter muito filme de pipoca e é época de pipoca), tem chocolate sem grudar no dedo, tem cobertores. Têm Domingos também, longos Domingos, quase intermináveis. As pessoas não sabem a fatalidade que é um domingo. Domingo não é Andrea Doria. É pior.
É Andrea Doria com açúcar e uma cereja encima sem ter chances de afundar o navio.
Domingo é o inimigo do Inverno. Não são as pessoas que amam o calor, essas insanas. Não são os dias de trabalho quando tá chovendo. Isso a gente convive. Nem o Fog as 5 da manhã, muito menos o desgraçado do esportista que corre as sete horas em ponto usando um maldito short fosforescente que se poderia você jogava o carro encima daquele corpo saudável. É o Domingo. É o motivo de guerras. A gente quer acabar com isso. Domingo é tão ruim que o descanso dos Judeus é no sábado. Vê? Até todo um povo renegou esse dia. Porque é nocivo. Domingo deveria ser um nome de alguma doença. "O senhor está com Domingigite. Vai ter que amputar." Antes fosse...
Antes pudesse amputar.
Conheço gênios que se ressacam para suportar o Domingo.
Conheço pessoas que tomam remédios para não existir Domingo. Ao falar com elas, elas dizem "Hoje é Domingo." É um código universal. É como se fosse um erro magnânimo ter ligado no Domingo. Cogitar fazer alguma ação nesse dia. Façam algo no Domingo! Não errar no Domingo é deixar que o Domingo seja importante. Que ele vença.
Nunca enquanto estiver sob minha vigília!
Andrea Doria quer ter alguém para conversar e os Domingos estão contra você. Eles irão usar o que você disse contra você.
'Hoje é Domingo.' Não sairei? Não viverei?
Viva! Saia! tome sorvete no Inverno no Domingo para desmotiva-los.
O Domingo não manda na gente.
E, assim, enquanto nos revoltamos contra os Domingos, seremos livres. Livres para justificar ficar embaixo da coberta sem ser obrigado. Por opção própria. Por acordar, almoçar e voltar a dormir. Por opção, dar banho no cão e lavar o carro. Por opção!
Daremos aos Domingos significado para podermos odiar um novo dia:
As Segundas.

sexta-feira

Julia, sabe o Sergio?

Julia, sabe o Sergio? Ontem ele morreu.
Fica calma. Tá tudo bem. Ele só morreu... Foi assim. Era meio-dia e ele tinha olhado pro relógio, a gente tava atravessando a rua, ele tirou o fone de ouvido e olhou para mim. Na hora, eu percebi. Ele tinha morrido.
Agora ele tá bem. Não chora não. Uma hora você também morre. Comigo? Você nem quer saber o que ele tava ouvindo? Foi na praia, eu tava correndo na praia. Vi um cachorro lindo passeando com uma senhora toda tatuada. Aí eu parei pra tomar meu fôlego e enquanto eu olhava entre meus pés me apoiando nos joelhos, morri ali. A gota que caia da testa era cada gota que morria de mim. Não. Não é assim. Eu acho. Lá no fundo, no fundo do poço ainda sempre resta um pouquinho.
Isso acontece com todo mundo... até gente nova. Meu sobrinho que brincava com vocês no quintal lá de casa. Isso, o loirinho. Morreu com oito anos. Ele simplesmente chegou em casa e o gato tinha sumido para nunca mais voltar. Ele morreu aos bocados. Mas logo depois, pegou o lápis de cera e coloriu um arco-íris na parede do corredor. Criança é bom. Morre que nem sente. Ou sente, mas o poço tá mais cheio.
Tá mais calma? Eu sabia. Existe um fogo que nunca se apaga. There is a light that never goes out. Era o que o Sergio tava ouvindo. Irônico, né? Sempre teve trilha sonora na vida de todo mundo vivo.Eu também ouvia. Eu tava correndo, lembra? Num vou falar tenho vergonha. Tenho vergonha, Julia. E morri faz pouco tempo. Não quero saber de contar qual música do Milton tava... Ai merda. Você vai usar isso contra mim. Você vai. Jura? Julia jura? Jura Julia? Tá. Saídas e Bandeiras.
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Já deu? Segura o riso um pouco. Grato.
Vem comer aqui em casa amanhã. Tem camarão. Trás cerveja. Julia. Todo mundo morre por dentro um dia. É só questão de tempo e escolha. Mas acontece com carinho e dói bastante pouquinho. É tipo aos puxadões e não parece da dor boa de cama de enfermo nem de trepada. Apenas dói.
Hora do almoço. Julia! Julia desliga não!
Sabe aquela flor que plantei no meu jardim? Acabou de nascer.

quarta-feira

Hasta Luego Siempre

"Dez pesetas e nunca mais você toca punheta, chingo!" Henry estava bebâdo, segurando uma garrafa de rum sentado na quina da murada da praia com uma sacola cheia de limões. A lua brilhava sobre as águas de Varadero, refletindo o brilho da lâmina que cortava mais um limão. Atrás de nós, o mural com Che sorrindo para uns companheiros sem camisa, cobria o pano de fundo da noite mais quente e tranquila que já tive em Havana. Uma foto tirada na mesma praia e com o "Motto" nacional: "Hasta la vitoria siempre". Mas alguém riscou "la vitoria" de Castro fora e pixaram trocando por Luego. Henry era Juan, mas se achava mais um desses Cubanos que foram influenciados por Miami, porque Miami é um país aparte aqui, e virou um dealerzinho de prazeres cubanos que até o nome que ele apresentava era diferente. Um verdadeiro marginal de péssima categoria. Conheci me oferecendo puta, charutos, água filtrada e benzida, uma criança cega, rum, e, um passeio no terreiro de Santeria. Tudo que ele é eu desprezo... Mas a Santeria era algo único e eu já tinha houvido falar sobre isso antes. É uma macumba bem mais jamaicana do que qualquer outra coisa. Um Vodu de terreiro de faca preta, chão triscado, galinha sem cabeça, sangue e rum. Muito ruim. Lá, eu fui acompanhando seu inglês horrível achando que eu era gringo. Não deixo de ser. Mas brasileiro nunca é gringo. Pelo menos, eu achava.
Me apresentou pra uma senhora gorda com olhos negros como a noite, seu olhar era de desolação, me olhava como se eu estivesse perdido.
"No hay nada como la incertidumbre del corazón."
"Que dizes?"
"Sus manos..."
Eu entreguei minhas mãos e entramos num descampado. Uma negra linda rodava banhada em sangue, os tambores batiam junto com o compasso do meu coração. Eu suava. Cuspiram Rum em mim. Fumaram envolta. E ela dançava. Eu não conseguia falar mais nada. E ai veio o velho Gerges. Eu não sabia que eu sabia quem ele era, mas eu sabia. O velho Gerges. Me disse apenas uma palavra. Beba. E como um comando mágico, eu bebi. Uma mistura negra. Um gosto de terra. E eu dançava. Rodopiava. Eu não era mais eu. Eu era gringo. Era Gerges. Tinha peitos, depois era negro. Tinha metros de altura e larguras de consciência. Eu suava. Eu suava. Engolia a língua da negra com seus tufos cacheadas e sua boca cor de romã. Eu rodava.
E acordava encostado na mureta. Ao lado desse traste de pessoa. Com uma negra deitada no meu colo olhando para meu corpo nu, com o olhar fixo no meu pau. 
"Dez pesetas e nunca mais você toca punheta, chingo!"
Eu tentava desviar meu olhar dela, dele, da praia, e, só pensava que se essa era a noite mais tranquila aqui, penso nas últimas 26 noites. E saber que vou embora em alguns dias. Será que eu volto? Então, cabe contar as noites com detalhes. Sem ter medo.
Mas já sei que sentirei falta daqui. Da negra muda deitada no meu colo. Do Salazar e sua comida excelente, o jogo de beisebol que se estendeu com a força nacional. A politica. O rosto do Guevara estampado em todos os lugares. O orgulho. Caró. Midas. 
Eu vou embora e leio ainda embriagado e enjoado:
Hasta Luego Siempre.

segunda-feira

Miguel, Eu Te Amo

Eu já te falei que eu tenho raiva dessa mulher. Eu já te falei que eu tenho raiva dessa mulher? Benjamin abre o meu armário, meu filho e pega a caixa de sapato que tá ali encima. Isso. Trás aqui. Tá vendo essa foto aqui. Essa foto foi tirada em oitenta e oito. Acho que noventa. Como seu pai tá bonito. Foi na hípica. Pegou bem os cavalos correndo no fundo. E esse bigode, meu deus. Olhando assim parece que é dos anos setenta, né? Mas o Miguel era meio clássico. Não é velho. É clássico. Bonito. Coisa que não se vê mais. Mas bem... eu tô junto com seu pai e ela tá na foto também. Ela não aparece, mas ela tá aí. Ela tá em cada movimento calculado que eu achava que era frio na barriga, cada gesto que era para mim, ele ensaiava para depois encenar com ela, cada dinheiro de aposta ganho, era comida em casa e presente pra ela. A gente chegou cedo e fomos comer algo, depois pegamos os bilhetes e encontramos com o seu tio e seu padrinho. Eles foram tomar uma cerveja, uns minutos antes dessa foto ele ficou apreensivo, ele parece sério nela, eu sempre achei que era para parecer mais bonito. Você tira uma foto? Pedi pra moça que passava. uma moça bonita de cabelos loiros até a cintura. Ela tirou e saiu andando. Ele ainda ficou um pouco sério ali. O que foi? Apostei demais. Acho que vou perder. Foi o que ele disse. Idiota. Como eu fui idiota. ‘Apostei demais...’ Hah. Naquele dia ganhamos o triplo da aposta. Requer muita prática para saber que está morto. E você não morre de uma vez. Vai morrendo aos pouquinhos. É como escrever. Uma carta de amor. Algo assim. Quando você tem tempo você escreve, quando você não tem saco você bebe. Desculpa, meu filho, mas é a verdade. Eu queria que se fodesse toda a comida que ele colocava em casa. Eu quero os presentes dela. O que ele comprava? Será que ela se pavoneava toda com roupas minúsculas e depois ia dar pra ele ou eles andavam no carro do ano que seu pai trocava sempre desfilando com sua puta troféu no centro? Ela andava com nossos amigos. Será que fazia amor melhor que... Fazer amor. Olha a piada aí. Eu digo fazer amor. Você, por favor, não ri de mim. Trocava de carro todo ano para tirar o cheiro de puta, isso sim. ‘Eu sou um apaixonado por carros’. Burra. No fim de semana, queria todo mundo junto. Eu, você, seus sobrinhos. Gostava da casa cheia. Foi isso que nunca suspeitei. Nunca no fim de semana. Deveria ser na hora do almoço da firma. Nas noites, de trabalho e plantão. Plantão de emergência, como ele dizia. Quase toda semana. Cinco anos na firma, ele dizia que era de confiança e era difícil deixar outros cuidarem do sistema. Burra. Nunca no fim de semana, nem sequer uma vez. Adorava cozinhar pra mim, para vocês. Acordava cedo no domingo e inventava algo. Colocava Cartola pra tocar. Lembra o dia do Leitão. Ele chegou sexta de noite com um porco! Imagina! Mas Miguel onde a gente vai colocar isso? Não tem nem como fazer. ‘Deixa comigo.’ Quando seu pai falava ‘deixa comigo’, nossa... Bom. Miguel pegou toda a lenha guardada, foi no quintal, lembra? Sim. Você acordando gritando, tem um porco sendo assado! Eu ria. Todos os meninos correndo brincando de índio em volta do fogo. E o bichão no espeto. Cerveja demais. Todo mundo desceu. Do rio. De Petrópolis. Desce ou sobe? Não sei. Todo mundo veio. De repente, foi uma festa. Foi bom. Você falava, pode ser meu aniversário hoje? Seu pai te respondeu, Não. É o nosso. Aí caiu a ficha. Não tinha percebido. Não estava entendendo nada. Seu pai parou a música. Noel. Ajoelhou no meio de todo mundo. Marta, obrigado por casar comigo e ser a mulher da minha vida. Casa comigo, de novo? Era nosso aniversário e eu casei de novo na mesma semana. Ele tinha arranjado tudo. Tudo em pequenas coisas. Todo mundo sabia. Seu padrinho, bêbado, veio me cumprimentar. ‘Marta, não importa o que aconteça, o Miguel faz tudo pensando em você.’ Isso ficou na minha cabeça para sempre. Foi lindo. Me senti uma menina. Seu pai era bom pra mim. Uma semana depois, Campos do Jordão, na mesa de jantar, ele sorrindo, tomando vinho, seu bigode cheio de vinho, ele pousa a taça. Fica sério. Contrai o rosto e cai no chão. Se contorcendo com a mão no peito. Fulminante. Ali mesmo. Você ficou na casa do seu tio. E aí, teve o enterro.
Eu perto do caixão, pensando que tínhamos acabado de casar, começa um burburinho, eu olho pra trás e vejo seu tio. Apartando uma mulher alta. Nunca tinha visto. Me chamando. Eu sou a outra, Marta! Eu gelei. Naquele momento, eu percebi tudo, mas parece que fica tudo enevoado. Eu olhava pro seu pai, distinto, de terno.  ‘Marta, eu preciso falar com você! Me solta Rubens!’ Ela empurrou seu padrinho. Veio na minha direção. E me entregou um envelope. Ela chorava e nem olhou pro caixão. Óculos escuro, de luto, mas não olhou pro caixão. Se dei uma porrada nela? Benjamin, não sabia o que fazer. “Qu-quem é você?” “Eu sou ela. Desculpa. Não foi por mal. A gente fez um pacto.” E ela se foi. Tinha uma criança perto do Rubens. Ela puxou o menino. “Vem, Miguel.” E se foi pra dentro de um táxi. Todo mundo começou a brigar. Você veio e me abraçou. “Mãe, eu tô aqui.” E ficou lá abraçado á mim. Eu olhava pra ele sentada. E o tempo parou, não chorava, não soluçava, nada me doía, tudo era indiferença. Eu nunca mais chorei. Fiquei parada um bom tempo dentro de casa, sentia o cheiro de seu pai, da roupa, dormia do lado dele da cama. Mas não chorava. Fiquei com raiva durante muito tempo. Aí. Essa foto. Eu descobri o envelope faz uns meses. Eu sabia o que era. Minha mão tremia tanto. Quando abri, tinha um bilhete e uma foto. A foto desse dia na hípica. Atrás escrito, lê aí.

- Você também estava lá. Apertando o flash. M.

E o bilhete, é esse aqui, pega minha carteira.
Isso aqui tava escrito: POR EXÚ. A PADILHA ME DEU ELE.
Aí, eu sosseguei minha raiva dele. E virou dela. Mas não de ruim. De que ela queria e ele não deu. Ele deu pra mim. Queria ser, mas não foi. É boa essa sensação. Esse tempo todo. Era por mim. Aí eu consegui chorar. Consegui viver me amando. Sabe o que mais eu pen... Benjamin! Corre lá no portão! Seu padrinho chegou, pega a chave. Deixa guardar isso tudo. Vai.
.
..
...
Miguel, Eu te amo.