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Os dias são contados. O Tempo passa. E se caminha cada vez mais como se fosse um diário de um eunuco.

segunda-feira

Dia 70 - Á beira do trilho



“Estou ligando porque estou bêbado e estou perdido.”
“Diga-me onde você está e o que você fez e eu te ajudo.”
“Eu estou perdido. Eu não sei onde eu estou.”
“Você deve saber onde está. Que diabos você está fazendo?”
“É o que eu venho me perguntando desde quando eu me conheço.”
Silêncio.
“É o que eu venho me perguntando desde quando eu decidi não te ver mais.”
Silêncio. “Eu resolvi ir atrás de você.”
Ela suspira desinflando de um balão cheio de ar. “Mas eu me perdi no meio do caminho.”
“Onde você foi?”
“Não posso.”
“Não fala isso.”
“Já cavei muitas sepulturas. Nenhuma delas era a minha.”
“Se fosse, você seria um morto-vivo.” Humor. Saudade.
“Não somos todos?”
“Continua fugindo assim e mais cedo ou mais tarde você vai acabar como o seu pai.”
Eu suspiro inflando o balão de volta.
“Eu deveria desligar.”
“Espera...” Eu espero.
“Sinto sua falta.” Eu engulo seco.
“Mesmo se eu me parecer com meu pai?”
“Eu amo você. Não o seu pai.”
“Te acordei?”
“Essa hora se alguém não tá dormindo, boa coisa não tá fazendo.”
“Nada de bom acontece depois das duas da manhã.”
“Ou é má notícia ou é você.”
“Ou os dois.” Risos.
“Sinto sua falta.”
“Você já disse isso.”
“Eu realmente sinto sua falta.”
“Eu...”
“O quê?”
“Também.”
Ela chora. Eu engulo seco.
“Quando você volta?”
“Pra onde?”
“Pra mim.”
“Eu não tenho pra onde ir.”
“Você pode sempre ir para mim.”
“Nós sempre temos um lugar para voltar.”
“Um Porto seguro.”
“Um lugar para parar de pensar e sentar.”
“Cheio de vento e cheiro de flores.”
“E com você.”
“E com você.” Nos falamos juntos. Ela não esqueceu.
“Onde você está?”
Eu respiro fundo. Engulo o ultimo amaro da cerveja.
“Na rodoviária.”
“Você está vindo?”
“Não.”
“Por favor. Eu preciso de você.”
“Eu sei.”
“Se você sabe por que você não vem?”
“Porque eu já estou aqui.”
Silêncio. Ela para de chorar. Eu começo. Silêncio. O balão levita. Eu enxugo a lágrima.
“Eu não tenho para onde ir.”
“Sim.”
“Eu estava pensando...”
“Sim.”
“Eu tô muito bêbado.”
“Eu sei.”
“Eu acho que te amo.”
“Sim!”
“Sim.”
“Eu também.”
Silêncio. Choro feliz de criança. “Eu tô indo ai.”
“Sim.”

De volta. Aqui. 

quarta-feira

Dia 65 - O Bar



Nós estamos aqui. Todos nós. Todos aqui nesse caldeirão. Todos procurando alguém ou alguma coisa. Então não se escondam seus apostadores de vida dupla. Venham. Seus homens de cabelos repartidos e óculos fundo de garrafa. Todos os viajantes sem destino. Todos os introvertidos que são alvos de risos distantes. Todos os mártires sem motivo.  Venham todos sem exceção. Cada homem desconhecido, cada lenda da noite.
Cada um de vocês que respira e anda não é nada nessa imensidão noturna, esse mar de bares que chegam em vagas.  Venham, pois juntos, somos uma força maior que a Natureza. Juntos somos mais desajustados. Mas somos uma força a se admirar. Uma fonte a se beber.
Todos vocês, venham!
Seus sonhadores com insônia. Seus visionários cegos. Seus pintores de esmaltes e cantores de churrascaria. Venham. Todos vivem aqui. Cada general de cinco estrelas sem família. Cada motoqueiro que se acha motociclista. Cada santo e pecador. Cada ganhador e perdedor. Vocês todos cabem aqui. Tem lugar no balcão. Cada menino aventureiro. Cada mulher que não se sacia. Temos espaço. Para cada um com sua doutrina, suas ideologias, suas religiões, cada um que sofre e sorri, cada caçador sem prêmio e cada carniceiro de espólios. Nós temos espaço para vocês!
Cada criador e criatura. Todo destruidor de lares, reis ou plebeus, jovens ou anciões. Cada inventor e explorador, pessoas com esperança, sofredores de ocasião, cada mãe e pai, todo casal jovem apaixonado que se olha nos olhos e fala baixinho sem perceber o que se passa em volta. Tem uma mesa reservada para vocês.  Os líderes supremos de cozinha. Os “estrelas de rock”. Cada politico corrupto amigo de professores de moral e cívica.
Venham ao menor palco da vasta arena da vida. O bar. Pense nos rios de cerveja derramados nas mesas para que a felicidade e a bebedeira rolassem. Pense nos deuses antigos que querem ser elogiados. Nos santos africanos. Pense nos habitantes que dormem vomitados na esquina, como eles não são compreendidos, e nós assistindo tudo também somos promotores de desentendimentos. De conspirações de mesa de bar. Nossa pose, Nossa autoestima. Nossa assumida auto importância. Nessa vastidão, há espaço para todos nas mesas, colocando moedas na caixa de músicas. Há mais para viver aqui na noite seguinte. Quando a luz se vai novamente e todos nós voltamos.

Dia 64 - Onde não se Ama



O único lugar onde não se deve ter amor por quem ama é na cama.
Tem de ter odio e força e a natureza entrando pelos poros... é chover e molhar a cama, sentir o cheiro de grama, é queimar os lençois e torrar o cedro da armação de toda labareda, é a brisa da manhã, o barulho das ondas nos ouvidos, mergulhando salgado-doce no outro.
É sentir a lagrima escorrer quando a garganta for preenchida.
É mão tensa e abrir dolorida, alguns parcos fios de cabelo.
Ajoelhar sob a sua superioridade. É beijar seu pé aceitando o sofrimento que terei.
é aceitar que deus criou a mulher depois do homem, dando-lhe para seu divertimento.
Saber que cachorro é homem, mulher é cadela e que toda sorte de animal se encontra dentro da noite. Do mais puro coração dividido entre o cavalo e o alazão.
É esquecer sexo, identidade e sem essa hipocrisia de ser um só, dois putos para o fim.
Fim de tudo. É sentir sair de si para o outro, em cada movimento. A cada bombada, sou mais sua, que de mim própria. Imensa mentira contada para agradar.
Onde eu assino para casar com uma puta como você. Imensa alegria de querer acreditar naquilo que acontece quando é tortura.
Quando masturba só para sofrer e para, morde, bate, volta e você quer que acabe o que não deveria.
Acabar com o que é intocado, destruir o que é belo. Decorar de suor corpo arranhado pelo diabo da carne. Arre, que não tem valor maior, fogo de palha em pernas finas. Saias rodadas, gravatas, óculos, só avental na cozinha-cama. Todo fetiche de punir e amar.
Que acabe suas forças antes de meu gozo.
Que suma sua dignidade e confunda com amor essa porra toda.
Entenda como quiser.

segunda-feira

Dia 63 - Minhas tendências



Tenho uma tendência natural a ir contra. Não porque é meu estilo partir do outro ponto de vista. Naturalmente eu não gosto de lutas. Nunca gostei de conflitos e quando alguém discorda fervorosamente com alguma opinião eu tendo a calar. Tá certo. Cada um tem seu ponto de vista.
Tenho uma tendência natural a desconfiar de quem não gosta do Capitão América. Nem quem não vai com a cara de puta no meio da rua. Puta paga. Não, puta dada. Tenho receio de odiar quem diz que odeia filme de faroeste. Quiçá ficção científica. Quando alguém diz que não entendeu ‘Onde os Fracos não têm vez’, pra mim não merece assistir Blade Runner. Tenho uma tendência natural a beber sempre a mesma bebida. Cerveja ou um Long Island Ice Tea. Drink é coisa de viado? Ernest Hemingway adorava touradas, viajou o mundo todo como jornalista, era boxeador e adorava brigar com qualquer um que encontrasse, além de ter servido a marinha. Sua bebida favorita era o daiquiri.
Também gosto de cabelos. Extremos se encaixam mais aqui. Cabelos coloridos ou sem química alguma, cabelos loiros platinados, vermelhos e alaranjados, ou castanhos escuros, de preferência, naturalmente ondulados. Cabelos grandes de Argentinas ou curtos francesinhos. Não gosto de unhas pintadas, mas adoro as cores que as mulheres escolhem. Se mulher comprasse e consumisse como homem, ia haver duas cores de esmalte. Preto-bar, Vermelho-futebol. Sobre extremos, preciso decorrer mais um pouco. Alta ou baixinha, nunca a média. Sarada ou bem magra, nunca a gorda. Tenho tendência a não gostar de gordas. Sem ofensas. É pessoal. Tudo aqui é pessoal.
Não tenho mais do que dois pares de sapatos preferidos. Normalmente, são só os que eu uso. Normalmente, eu me prendo á eles. Adidas SL 72. Se alguém achar um pra mim, eu pago um Long Island.  Tenho tendência á pagar bebidas para amigos. Dinheiro gasto entre amigos é sempre um dinheiro bem gasto. Mas nunca com conhecidos. Eu tendo a ser direto e objetivo e não escondo meus sentimentos. Não sou ciumento, mas preocupado. Não sou preguiçoso, mas sou relapso. Sou perfeccionista no meu lar, mas desorganizado na minha vida. Estou indo bem até agora. Ninguém morreu por causa de mim. Uma pena.
Se você nunca atirou em nada, você não sabe o que está perdendo. A sensação de poder é incrível. Mas armas de fogo são para fracos. Use um arco e flecha. Confie em mim. Quem ver vai achar maçante. Mas, quando aquele pedaço de madeira fazer um zunido e passar como um zangão rente ao braço de suporte, e você ouvir o ‘tum’ no alvo, você vai ter a tendência de querer usar em algum objetivo vivo. Fique nos objetos estáticos. Confie em mim. Caçar só é emocionante na prática. E coelhos são rápidos.
Tenho tendências a ouvir jazz. Amo rock n roll e qualquer outra vertente. Mas eu sempre ouço Jazz numa banda de heavy metal.  Quem não entende isso, eu vou contra. Odeio luz fosforescente, mendigo sem senso de humor, quando a cerveja acaba, brigar com familiares (porque não dá pra evitar e a intimidade faz com que não importa o quanto você acabou a briga, ela continua), odeio barulho, mas ouço música alta, odeio série de menininhas, mas assisto filme romântico, uma coisa é uma história fru-fru por algumas horas, outra é fru-fru por alguns anos e ter que acompanhar. Tenho tendência a exagerar, mas tudo que é demais cansa. Odeio moda e suas tendências. Eu ainda vou aos mesmos lugares e frequento os mesmos bares, as mesmas filas de banco, e, torço pelo mesmo time. Não tem essa de em São Paulo eu torço pro Santos. Tomar no cú. E eu tenho tendência a xingar quando não sou entendido. Vai ver se um gringo não sabe o significado universal de um belo puta que pariu. Não adianta você me dizer que todo mundo faz, ou é a mesma coisa, porque minha cabeça dinossauro ainda vai dizer pra mim que não. Seja plausível. Tenho tendência a não entender “porquês sins”. Eu sou do contra. Mas só porque eu não conheço o á favor e me parece que nada é á meu favor.
Então eu continuo com meus pisantes, meus filmes, minhas bebidas, meus textos longos  e mesmo assim eu vou ser o mesmo e esperar você. Eu tenho uma tendência a esperar a mulher que mais amo. Mesmo ela não sabendo disso.