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Os dias são contados. O Tempo passa. E se caminha cada vez mais como se fosse um diário de um eunuco.

sábado

Dia 62 - Formaldeído


É mais um dia daqueles que por acaso é noite. Ela tá sentada na cama, deita e dorme. Ela fica assim, abraçada num sonho.
E as vezes, no meio da noite ela acorda e se abraça à mim. Ela não só acorda e se abraça à mim, como ela tem um pesadelo.
O que será que ela sonha? Será que ela sonha com vampiros e aviões caindo? Com nuggets com pernas correndo atrás dela?
O que será que ela sonha?
Ela não deve nem imaginar que eu já não estou ali há muito tempo. Essa manhã, uma carta chegou.
Uma carta de longe dela. Eu sei que é dela porque já é a quarta esse mês. E pelos vistos, eu vou ter que riscar mais um item da minha lista.
Mais um item e daqueles que não dá pra deixar pra depois. Porque pode não haver depois.
Em outras notícias, eu conheci um cara hoje. Um cara normal com trabalho excepcional pra mim.
Eu estava caminhando na feira e um cara bem pra lá de bebado estava brigando com o dono do pastel de feira.
Ele articulava que  o chinês tinha cobrado mais caro e dizia que se ele fosse queimado pelo óleo e fosse pro necrotério, ele não "entubaria".
Repetiu isso umas vezes, e o tempo fechou muito rápido pra que eu não fizesse nada. Eu tava muito perto e perto estava da figura.
Achei melhor me meter e retirar o cara da barraca do china. "Desculpa, Zé. Tem sempre alguém assim. Põe na minha conta."
"Luis, você conhece esse merda, é? Um menino tão bom deveria andar com pessoas melhores e mais respeitáveis." "Pô, Seu Zé, eu não..." "Respeitável é a sua bunda amarela!"
E isso foi o estopim pro Seu Zé pular pela barraca e atacar o pescoço do maluco. Sorte que os outros feirantes seguraram o china, que vamos combinar: É bem brabo para um homem de seus sessenta anos.
"Sai daqui, seu bebâdo! Sai daqui!" E eu saí arrastando o maluco que aos trancos e barrancos trocava passos pela avenida da Glória.
Sinto que meus Domingos nunca mais serão os mesmos. Levei o sujeito para um bar próximo. O IML dos bebâdos. E sentei ele.
Pedi, óbvio, um suco. Sei lá. Tava me sentindo um santo e tinha que dar o exemplo. E era cedo. Que foi? Minha vida e eu mudo ela quando quizer. Você já deveria ter percebido isso antes.
"Bunda amarela baitola." E, lá vamos nos...
Uns quinze minutos de como o viado do Seu Zé queria roubar ele, entrecortados por ele ser paulista, morar no Rio há um tempo e trabalhar no necrotério da cidade, fez de mim seu melhor amigo.
Tá explicado o "entubar" dele. Entubar a mangueira. No bom sentido, mas no momento ruim. O Formol. Sacanagem. Deixar o Seu Zé morrer apodrecendo na frente dos parentes e amigos quando dava pra dar uma recomposicionada na laje.
Subir um duplex na carcaça cansada do Seu Zé, que é chinês e sim, tem nome português. Que me acha um menino tão bom. Seu Zé deveria entender as pessoas por dentro. Não o que ela vê por fora. Além do mais, eu só como pastel e miojo.
Sou praticamente um chinês e as duas comidas são uma merda. Logo, eu sou o que? Você é o que você come. E hoje, nem comer eu comi.
Ficar fedendo no caixão do Seu Zé deve ser uma merda. Uma mistura de óleo e carne indo pro além. Me inteirei mais sobre o assunto Formol, necrotério e quem paga a conta.
Na verdade, ele falou que ia no banheiro e eu acreditei. E o pior que nem sei o nome do puto porque ele já tá longe e eu paguei sim os bolinhos que ele comeu no bar, o Seu Zé porque é parceiro,
e ainda continuei passando fome. O puto deixou um bilhete com um número e disse pra eu ligar pra gente fazer alguma coisa. Que se não fosse eu, o "Bruce lee tinha me levado pro meu trabalho como objeto de estudo."
Eu ri. Esse cara ainda vai me servir pra alguma coisa no futuro. Eu sei.