“A casa era de um vermelho
opaco já repartido pelo tempo. Ele ficou na beira da varanda olhando para o
campo bem além. Ela tocou nele. Ele ia embora pra nunca mais...”
Charles Mingus, Chet Baker,
Ella, Etta, todos eles começam a tocar na minha cabeça ao mesmo tempo. Um
caminhão solitário trazendo bobinas de jatos cruza a estrada em frente de casa.
Um cavalo selvagem relincha e são duas da manhã e o sol refletido brilha por
entre as nuvens grossas. A chuva abranda nesse momento. O frio se assentou e eu
só ouço o barulho dos meus dedos percorrendo o corpo do teclado, o gosto do
café puro, o som do piano de algum jazzista que perdeu os dentes numa briga de
bar e você deitada. Em silêncio. Com o braço por cima do cobertor. Suavemente
respira e só sei que não está morta pelo leve balançar do seu cabelo que
balança na menina do teu beiço. Bem leve. Bem carnudo. Onde jaz uma mordida da
ferida que a tua distância me causa. Que me deixa ali. Tarde. Sem dormir. Rindo
para as paredes sozinhas quando você desaba. Depois do jantar de peixes
suculentos de uma providência japonesa, sem shoyo e sem hashi. Que pra você é
pauzinho. Da sobremesa de flocos nos seus seios, dos odores de nossas axilas
que sorvemos enquanto tu te sentas como num trono feito de tronco e carne. Das
minhas mãos, pâtisserie na massa orgânica e o recheio. O condensado no seu
corpo. E eis aqui. Morta. Desfalecida. Como um anjo a espera de um sinal para
voltar pra casa. Não volta. Fica. Eu te carrego de volta pra vida real quando,
eu contigo, acabar. Acabar de pensar em te ver. Acabar com o café carregado de
promessa. Com o blues cheio de notas de tristeza mesmo com meu sorriso brando
no rosto de quem te olha e termina as linhas sobre o corpo do teclado. Fica. Acorda.
Descobre teu corpo e minha vida.
Nada pode ficar estático. Nada
pode ficar assim. Tu te recobras de lembrar e mudar a posição. Cansou da
posição fetal. Vai pro colo do diabo que passa a mão nos seus cabelos. Enquanto
joga comigo mentalmente, os discos arranhados do Money Jungle. Eu queria que você
na virada olhasse pra mim por aqueles segundos. Aí nada fica no lugar. Nem os
brincos encima do sofá. Teu celular começará a tocar. As luzes piscarão. Nem
meu coração vai parar. Nem minha alma. O Diabo inventando outra língua pra
gente.
Derramando o café, a bebida
toda no teclado. O resto da minha verdade.
Onde bem eu escrevia, “Olha para
mim que eu viro vento.”
Quem colocou essa mulher na
minha lista de músicas favoritas?
“Ela tocou nele. Ele ia embora
pra nunca mais.”
“É abril. A gente se vê.”
“Pelo menos olha pra mim.”
“Se eu olhar vou sentir um
sopro de saudade.”
“Então...”
“O que?”
“Olha para mim que eu viro
vento.”